(A Redação de Utopiarossa.blogspot.com)
O Anti-parlamento dos movimentos
sociais não deve ser entendido como a milésima conferência o coordenação de
profissionais da política, talvez ladeados por associações de apoio, com o fim
de propor soluções alternativas em vista das eleições, em suma tendo como alvo
uma maioria parlamentaria nova, «amiga» dos proponentes.
Pelo contrário, o Anti-parlamento deve ser expressão de movimentos de massa
em luta não só contra os determinados e específicos adversários deles - locais
e/ou sectoriais – mas também contra a casta política toda e o próprio Parlamento
como órgão de legitimação da casta. À letra, entendemos o anti-parlamento como forma de democracia política alternativa e
contraposta à instituição parlamentar e ao seu necessário complemento: as
eleições políticas. Não é mais bastante dizer que a vitória das lutas
específicas e determinadas deve deixar de passar pelos burocratas dos partidos,
dos sindicatos e do Parlamento. Deve-se dizer que a casta dos profissionais da
política e as instituições deles são inimigos da expansão dos direitos e das
liberdades. Deve-se romper definitivamente com a estratégia de fazer refluir a
propaganda e a mobilização social para um prazo eleitoral e o apoio duma determinada
maioria parlamentária, ou para uma linha de pressão externa e «crítica» dum
governo sempre visto como “amigo”. Uma estratégia na qual a esquerda italiana, incluindo
a ex extrema-esquerda e os partidos sucessívos ao Pci, está enviscada há
decénios.
Desde o nosso ponto de vista a posição anti-parlamentar motiva-se com o
processo de involução histórica da chamada
“democracia representativa” nos paises com capitalismo desenvolvido, e em
particular em Itália.
Trata-se dum processo de longa duração, cujo motor foi próprio o
crescimento das funções económicas e sociais do Estado capitalista, com as suas
consequências nas relações entre a burocracia administrativa e a dos partidos,
entre governo e Parlamento, e nas funções e características dos partidos.
Resultados finais destas transformações – aparentemente democráticas e das
quais tem saudade tanta parte de esquerda - foram o processo de integração no Estado
dos partidos, a convergência programática deles, a constituição do sistema dos
partidos em casta. Nos
decénios finais do século passado, esgotou-se definitivamente a parábola de
integração no Estado dos partidos da esquerda, social-democratas e comunistas. O
processo degenerativo - em termos políticos, ideais e pessoais - está particularmente
desenvolvido e grave em
Itália. Envolveu também os partidos sucessivos ao Pci os quais
- pelo apoio e a participação directa nos governos nacionais e locais do centro-esquerda
- com amplidão demonstraram e seguem demonstrando o facto de ficar subordinados
ao centro-esquerda ou algum componente deste sector (como a Idv): as diferenças,
a esse propósito, referem-se mais aos modos e aos tempos do que à substância. O
processo foi tratado difusamente nos livros de “Utopia vermelha” (desde La sinistra rivelata, I forchettoni rossi, Le false sinistre até o recente Capitalismo e postdemocrazia) e nos
artigos publicados no blog.
Quando mais do 80-90% dos financiamentos para as actividades dos partidos
depende dos fundos do Estado, os partidos deixam a função de órgãos de mediação
entre Estados e sociedade civil, e tornam-se órgãos estatais. Para os partidos
“alternativos”, verdes e com denominação “comunista”, a dependência do
financiamento público é par ou superior à dos partidos de governo. Naturalmente
participar nas eleições é uma necessidade vital, assim como achar formas de
colaboração com o centro-esquerda.
O estadismo dos partidos comporta a prevalência absoluta da função de governo
para com a da representação, embora limitada e deformada, de alguns interesses
da generalidade dos cidadãos. Os partidos e as coalições repartidores do
mercado dos votos optaram para a convergência política substancial em favor dos
interesses imediatos do padronato.
Embora órgão do Estado capitalista, nos anos ’60 e ’70 o Parlamento
conseguia ainda responder às lutas e aos problemas sociais através leis que
favoreciam um progresso, mesmo se parcial. Mas após trinta anos, enquanto o sistema
dos partidos torna-se auto-referencial, a própria instituição parlamentar deixa
de ter qualquer possibilidade progressiva. As leis do Parlamento vão sempre
contra os interesses dos trabalhadores e as necessidades sociais da
generalidade dos cidadãos.
Este é um dado estrutural e não reversível. Dai resulta que os apelos à
Constituição e à soberania popular no contexto deste Estado, a retórica sobre a
participação política e a pretensão dos partidos sucessivos ao Pci - no sentido
de ser ponte entre a Rua e o Palácio - aparecem, no melhor dos casos, ilusões
condenadas pela história ou, no pior e mais provável dos casos, ideologia
instrumental à reprodução de aparatos de partido.
Por estas razões julgamos que a luta pela defesa e a expansão da democracia
e dos direitos sociais no sentido mais
amplo não possa mais passar através do Parlamento e da representação dos
partidos, mas tenha de assumir o sistema dos partidos e a instituição parlamentar
como um inimigo de derribar, sem compromisso nenhum. Esta posição anti-eleitoral
e anti-parlamentaria deve ser entendida como referida à Itàlia, e deve ser verificada
noutros paises com capitalismo desenvolvido; não vale necessariamente nos
paises onde a experiência da democracia parlamentária no Estado capitalista ficou limitada e a conquista da
liberdade política foi relativamente recente.
Estamos perfeitamente conscientes de que a indicação do Anti-parlamento ainda
tem uma natureza propagandista, porque pode tomar vida só em presença de movimentos
sociais fortes e decididos a perseguir até ao fim os objectivos de luta, rompendo
abertamente com a casta política e as suas instituições pseudorepresentativas.
Contudo não vemos outra possibilidade de começar a construir, logo e no presente,
uma perspectiva que no mesmo tempo seja global, democrática e anti-capitalistica
senão partindo da visão dum organismo nacional espaço de ligação e debate dos
movimentos de luta, e que destes movimentos expresse vontade unitária e síntese
política, fora e contra as instituições representativas do poder da casta política.
Concretamente e no imediato partilhar esta visão quer dizer a recusa de legitimar pelo voto a casta dos profissionais
da política (ou dos aspirantes), nas suas componentes de direita e esquerda, e a
instituição parlamentária.
Assumir consapevolmente a perspectiva do Anti-parlamento quer dizer a recusa
consciente da retórica pseudo-movimentista o incoerentemente anti-casta, que
acaba por fazer das eleições e das aliaças eleitorais e institucionais o ponto
de chegada da acção política.
Tomar em consideração séria a perspectiva do Anti-parlamento é antes de tudo o começo dum processo pela libertação
da dipendência psicológica dos aparatos que sobrevivem somente graças ao financiamento
do Estado e às capacidades deles em ser parasitos do empenho altruísta e
singelo de militantes e voluntários.
Julgamos que tomar posição em favor do Anti-parlamento e contra a delegação
à casta dos partidos (incluindo a
sub-casta subalterna dos “Garfos Grandes Vermelhos”) comporte também um
processo de libertação cultural no sentido mais amplo, de impulso à
criatividade para mudar a vida e o mundo sem compromissos e autocensuras.
Por fim, assumindo a perspectiva do Anti-parlamento estamos materialmente
confortados pelas dezenas de milhões de cidadãos, em Itália e no resto da Europa,
os quais pela abstenção do voto querem expressar – e prosseguirão a espressar -
o desgosto deles para com as castas políticas. Percebemos de star perto dos que
expressaram indignação e enjoo para com os governos e os Parlamentos que fazem
pagar a crise capitalista aos trabalhadores, aos cidadãos normais, aos
reformados, aos jovens, às mulheres. Estamos perto dos que sitiaram os Parlamentos,
sedes formais do poder das castas que pretendem representar o povo.
Julgamos que o Anti-parlamento possa ser uma resposta coerente, de luta, construtiva e eticamente saudável, à
necessidade de democracia que deve ser imposta contra a casta política.